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roger waters’ the wall [ou um show que cita kafka, não pode ser ruim]

6 abr

“Someone must have slandered Josef K, for one morning, without having done anything wrong, he was arrested.”

Franz Kafka, The Trial

The Wall não é meu álbum preferido do Floyd. Coloco no topo Piper at the Gates of Dawn, Dark Side of the Moon e Wish You Were Here, mas acho que nenhum deles daria um show tão bom quanto no quesito espetáculo. Porque o The Wall do Roger Waters é isto, um espetáculo.

Há algumas semanas, li um texto na Rolling Stone Argentina cujo título perguntava: ¿Quién escucha hoy The Wall entero? O autor coloca a pergunta e argumenta que The Wall é um disco que sofreu com a passagem do tempo e que Roger Waters se converteu numa banda cover dele mesmo. Realmente, em alguns momentos fica a impressão que colocaram o disco pra rodar e a banda só está lá para figuração. Ela fica mais forte em momentos como Comfortably Numb, em algum momento, parece mesmo que o David Gilmour vai aparecer no alto do muro, mas não. De qualquer maneira, não acho que as músicas pareçam tão datadas assim, especialmente porque Waters soube transformar músicas que falavam sobre ele em músicas que falam sobre nós.

The Wall, como boa parte dos discos do Floyd, não funciona bem no shuffle do iPod. Hey You, Comfortably Numb e Mother, por exemplo, são músicas incríveis por si só, mas as partes de Another Brick in The Wall ficam muito melhores quando já ouvimos a história que as precede. Li alguma crítica do show dizendo que a apresentação é engessada, não permitindo muito espaço para improviso e que é previsível. A crítica ainda dizia que seria incrível se o show terminasse com Another Brick in the Wall. Talvez seria incrível numa turnê de Greatest Hits do Floyd, mas The Wall tem que terminar com o muro caindo, tem que terminar com The Trial e com todos Outside the Wall.

Nos quesitos técnicos arrisco dizer que foi o melhor show que já vi. A qualidade do telão chega a ser estúpida de tão perfeita. Cada foto em seu tijolinho e as imagens do palco refletidas no muro batem muita tela de cinema por aí. E o som, ah, o som… Para se ter uma ideia, gravei algumas músicas com o celular e fiquei preocupada, já que o cidadão que estava ao meu lado cantava [e errava as letras] a plenos pulmões. Para minha surpresa, o único que se ouve cantar, é Roger. O outro lado da moeda, é que não há aqueles momentos em que só se ouve a plateia [que cantou muito], que são sempre emocionantes.

E The Wall foi mais ou menos assim, com momentos grandiosos, outros de lágrimas e muitos de reflexão. Vamos sair e fazer a revolução? Não. Vamos sair derrubando os muros e as grades? Dificilmente. Mas saímos com a sensação de missão cumprida, de ter ouvido uma obra incrível e de ter visto, ainda que como um cover de si mesmo, um dos últimos grandes homens do rock.